sexta-feira, novembro 03, 2006

Nunca subestime uma mulherzinha
Por Fernanda Takai
Jornal Estado de Minas em 03/11/2006


A gente ainda alimenta algumas idéias moldadas por um certo movimento retilíneo uniforme bobo do nosso cérebro. Pra qualquer assunto temos lá nossas considerações a fazer. E um dos seres mais agraciados com opiniões dos outros somos nós, as mulherzinhas. E o pior é que também fazemos parte dessa engrenagem e, de certa forma, nos sabotamos sem querer.




“Só podia ser mulher! Ela não consegue”. Infelizes são os comentários que ouvimos sobre as coisas que fazemos ou deixamos de fazer. Puxa vida, esse negócio é tão forte pra gente que até quando vou estacionar o carro já fico pensando se tem alguém olhando pra me julgar. Mesmo que tenha escolhido a vaga mais difícil no estacionamento de um shopping lotado... Tá, reconheço que às vezes fico muito tempo escolhendo a roupa pra sair, e de carona vem o aparte: trocou de roupa de novo? E olha que eu conheço um tanto de homens que gastam mais tempo se arrumando do que a noiva da igreja mais próxima.

Ganhei de presente da jornalista Chris Campos, que escreve muito bem sobre as coisas do nosso “lar agridoce lar”, o livro de uma escritora que tem cruzado a minha vida em momentos diferentes. É um livro de mulherzinha, à primeira vista. Correio feminino vem numa capa rosa com bolinhas, em formato quase de revista. Seria apenas mais um livro desse gênero se a autora não fosse Clarice Lispector. É uma compilação de textos que ela escreveu para alguns periódicos em momentos diferentes entre 1952 e 1977. Como era escritora consagrada, ela escolheu se esconder atrás de três pseudônimos. Pelo jeito, Clarice também tinha medo de ser confundida com uma escritora para mulherzinhas.

Por mais que os assuntos fossem bem femininos, como dicas de beleza, etiqueta, tendências da moda, relacionamento com o companheiro, é possível ler a Clarice como ela era. No meio de tudo, ela sempre dava um jeito de indicar às mulheres uma atitude mais natural e pessoal. A leitura fica ainda mais divertida se conhecemos a escritora de outros livros e crônicas. Assuntos como insônia, cigarro, solidão, vaidade, saúde, expectativas, vizinhos fazem par com outros por sua obra afora. E ainda há textos incríveis que, provavelmente, Clarice nem precisaria deixar de assinar seu nome de verdade. E deve até ter pensado: “É mais do que me pedem pra escrever...”

Estava lendo esse livro numa lanchonete. Enquanto esperava o sanduíche, um moço na mesa ao lado esticou o olho e provavelmente leu em letras enormes “Você entende de homens?” numa das páginas que eu lia. Ele me jogou de volta um sorrisinho... Aí me deu vontade de mostrar a capa e apontar o nome da Clarice. Acabei não fazendo isso. Sorri amarelo de volta. Mas, de alguma forma, não me senti uma mulherzinha comum. Sabe por quê? Porque alguém como Clarice Lispector também era mulherzinha. E das boas!