segunda-feira, julho 13, 2009

Por :Déa Januzzi
Jornal Estado de Minas - 12/07/2009


Enquanto escrevo, um dia depois do espetáculo do sepultamento de Michael Jackson, não consigo adivinhar se, neste domingo, o astro pop continuará a ser destaque nos noticiários da TV e da internet, mas gostaria de fazer uma pergunta para mim mesma: “Que contribuição o enigmático Michael Jackson deixou para o mundo? Foram os requebros dele, os passos ensaiados, as paternidades duvidosas, os milhões de discos vendidos, o jogo da vida? Qual a mensagem verdadeira que ele deixou?”.

Sinto dizer que, para mim, ele só deixou dúvidas. Preciso assegurar que ele tinha voz, sabia compor, era um verdadeiro ator da indústria fonográfica, mas nunca me passou mais do que isso. Que ele foi um superastro, ninguém duvida, que nunca será esquecido também. É verdade que, com sua dor e talento, ele transformou o show bizz, mas o que mais ele deixou? Que herança deixou para o mundo?

Os vários Michael Jacksons: o menino negro do Jacksons Five, exibindo o nariz de raízes africanas, até a carreira solo, a da imagem, do clipe, do videogame, do cinema, do espetáculo. O Michael Jackson do início da carreira, então, começa a ficar branco. Vitiligo? Pigmentação? Fica mais uma dúvida que não poderá ser respondida depois de sua morte, que acabou por santificá-lo no altar dos mitos intocáveis.

Apesar do seu canto Heal the world (cure o mundo), ele continuou a divulgar um mundo doente, decadente, consumista, em que as diferenças não são aceitas, em que o sucesso se traveste de estética, em que se fala em pedofilia como se fosse algo normal, onde a criança atormentada teima em se manifestar no adulto, no simulacro de alguém que não sabe o que quer, mas tem o direito de comprar, de pagar, de possuir o que bem entender, onde não há limites.

A herança de Michael Jackson é o vazio do mundo contemporâneo, de uma sociedade de zumbis, de jovens que se sacodem, dançam, se enfeitam, cometem crimes e são mortos, porque no altar interno deles não há fé, não há um deus interno chamado entusiasmo. São espantalhos de uma sociedade do vale tudo, da competição, do sucesso a qualquer preço, da falta de sonhos e ideologias para viver, da falta de um pai amoroso, de uma família protetora.

O mundo de glória do sepultamento, segundo o noticiário, foi o de Paris, a filha de 11 anos, que chorou pelo pai morto. De onde veio a filha loura, de cabelos lisos e olhos claros? Ela está filiada a um novo mundo ou a uma imagem idealizada e forjada pelo próprio pai?

Que me perdoem os milhares de fãs de Michael Jackson, os pastores evangélicos norte-americanos, mas, além de ser um superastro, ele não conseguiu clarear o mundo, mesmo mudando de cor e de raça. Para mim, o mundo dele continua cheio de sombras, enigmático, de uma escuridão difícil de ser iluminada.

A cerimônia de Los Angeles revelou a grandeza de um astro pop, pois ninguém melhor do que Michael Jackson soube trabalhar com a mídia. Ninguém chega perto dele em termos midiáticos. Até o site TMZ mostrou a força da internet na blogosfera, em que as bizarrices e as esquisitices de Michael Jackson foram exorcizadas depois de sua morte. Há uma canonização de um santo que ele nunca foi. Todos os seus pecados foram perdoados diante das câmeras.

Confesso que quase morri de overdose de Michael Jackson, que quase caí na dependência das notícias, da cerimônia. Fiquei entorpecida com tantas manifestações, com tantas qualidades de um astro que nem sabia que existiam, como a de benemérito.

O caixão dourado não encobre meu medo diante de um mundo que parou na arena de Los Angeles para cultuar alguém que não deixa bons exemplos.

Coberta por rumores e mistérios, a morte de Michael Jackson foi bem parecida com sua vida. Reverencio seu talento, seu jeito todo especial de fazer dinheiro, uma qualidade elogiada no mundo americano do ter. Ninguém mais se lembra das crises pessoais e financeiras do astro pop. Ele vai embora levando seus segredos. E, nós, do lado de cá, ficamos com os olhos embaçados por um caixão dourado e pelo brilho artificial dos holofotes de Los Angeles, da Terra do Nunca, o reino de Neverland – ou melhor, de Michael Jackson – , onde as crianças têm medo de crescer e de envelhecer!