domingo, dezembro 17, 2006

Os "Ex"

Cuidado com os "ex"

Por Eduardo Almeida Reis
Jornal Estado de Minas - 17/12/2006

Com a experiência de oito casamentos, meu amigo Tuba vive repetindo: “Mulher não é problema. Difícil é a ex-mulher”. Não me queixo da mãe de minhas filhas e não tenho a vivência do Tuba, mas receio a figura do cristão-novo: qualquer cavalheiro ou dama que abjure algo praticado durante anos.

Basta lembrar que o presidente, reeleito por vocês, morre de medo da alagoana Heloísa Helena, com a qual não tem coragem de discutir qualquer assunto, nem sequer sobre a propalada influência da poeira das estradas nas plantações de mandioca. Por quê? Ora, porque Helô é uma ex-petista.

Martinho Lutero foi um ex-católico: morreu gente à beça nas guerras entre luteranos e católicos romanos. E o negócio vai por aí. Dia desses faleceu, aos 72 anos, um cavalheiro chamado Allen Carr, ex-fumante, guru do antitabagismo. Fumou até 1983, conseguiu livrar-se do vício e desenvolveu o método Easyway (Caminho fácil) supostamente para ajudar cavalheiros e damas que desejam deixar de fumar, isto é, todos os fumantes. Abriu 70 filiais do Easyway em 30 países, escreveu livros sobre o assunto – um dos quais vendeu 7 milhões de exemplares. A exemplo da maioria dos gurus, deve ter sido belo picareta: ficou riquíssimo falando mal do cigarro e acabou morrendo em sua casa, perto de Málaga, na Espanha. De câncer do pulmão.

Até o gato lá de casa está careca de saber que o fumo faz mal à saúde. A propósito, Guimarães Rosa disse que viver é muito perigoso. Tudo faz mal à saúde: sol forte, chuva fria, neve, carrapato, fumaça de ônibus e automóvel, mosquito, pum de ovelha, absolvição de senador, burrice alheia e cigarro, cuja fumaça também faz mal aos não-fumantes, chamados fumantes passivos.

País sério, a Inglaterra vem de proibir o fumo em todos os lugares públicos. Até outro dia, o Aeroporto de Heathrow, que tem dezenas de restaurantes, tinha um para fumantes: vivia cheio de viciados. Agora, deve copiar o Aeroporto de Chicago, que obriga os passageiros em trânsito a fumarem lá fora, com temperaturas de 20 graus abaixo de zero. E tem mais uma coisa: depois do cigarrinho que enregela, o passageiro passa, de novo, pela alfândega, é apalpado e tem que tirar os sapatos.

Na Califórnia, há uma cidade em que é proibido fumar até nas ruas: os viciados que fumem dentro de suas casas. E assim por diante: a guerra ao tabaco é total, sem que os resultados correspondam às providências dos governos. E isto por uma razão muito simples: os jovens são, por natureza, contestadores. Basta que se proíba uma coisa, mesmo baseada na evidência dos fatos, para que o jovem fique afinzão dela, como fica de outros fumos, pós e comprimidos infinitamente piores que o cigarro. Com a seguinte agravante: produtos que não recolhem impostos extorsivos aos cofres do Tesouro, gerando milhares de empregos de carteira assinada.

Até agora estamos no campo das obviedades: fumar faz muito mal, Teresina é quente, Manaus é úmida, o Deserto de Atacama é seco pra dedéu, Gisele Bündchen é linda, Ronaldinho Gaúcho é craque. Não me agradam crônicas sobre obviedades, nem creio que os leitores comprem jornais para lê-las. Escrevo para instigar: minha avó dizia que da discussão nasce a luz.

Estabelecido o fato de que fumar faz muito mal à saúde, ouçamos um espírito-de-porco chamado Jean-Louis Besson (A ilusão das estatísticas, Editora Unesp): “A atual carolice antitabagista (que se inscreve na religião da higiene) recorre, para elaborar seu catecismo, a argumentos de armazém: o custo pago pela coletividade para cuidar das doenças generosamente atribuídas ao uso do fumo. Mas ao armazeneiro, armazeneiro e meio: se admitirmos a hipótese de que o fumo é responsável pelas mortes prematuras, é preciso colocar na relação o sobrecusto social (cuidados médicos etc.) e os ganhos realizados. Como disse Marlene Dietrich em suas memórias: ‘As pessoas acreditam que, deixando de fumar, deixam de morrer. É falso, claro; elas morrerão de outra coisa’, cujo tratamento terá evidentemente um custo. As mortes prematuras evitam as despesas dos outros doentes, sem falar da economia nas aposentadorias!”

Ao argumento de Besson, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Ciências Sociais de Grenoble, que não fica em Nova Iguaçu, acrescento meu philosophar de botequim: é fora de dúvida que o fumo, para muita gente, é uma espécie de muleta. São inúmeros os casos de gênios que fumaram a vida inteira. Será que alguém já parou para pensar no tanto que a humanidade ficou devendo aos pensadores, pesquisadores, médicos, juristas, arquitetos & cia. que não deixavam de recorrer ao apoio de um cigarrinho?

Não estou fazendo apologia do fumo, porque sei que faz muito mal, mas tenho presente a lição de Aristóteles, ex-aluno de Platão: Amicus Plato, (sed) magis amica veritas (Platão é meu amigo, mas a verdade é mais minha amiga). Apesar de quase idoso, não fui aluno de Platão, mas sou amigo de linda doutorinha, profissional da pneumologia. Adoro quando falam mal de mim, porque escrevo para instigar, mas a doutorinha vira uma fera: cuidado com ela!

Eduardo Almeida Reis não é tecelão em Minduri, nem produtor de festas rave em Itabirinha de Mantena.